quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Grupo de Teatro Universitário da UFPA estréia espetáculo que resgata obra de Guimarães Rosa.

Quando o rio encontra o palco, sua terceira margem.


Será que foi loucura? Pagamento de promessa? Doença? Não se sabe. A única certeza é que o pai se foi para o mesmo lugar, nunca distante, o meio daquele rio que se tornou morada e demência, coragem, covardia e sina daquele homem. Este descobrir do rio e seus encantos é resgatado hoje pelo Grupo de Teatro Universitário da UFPA, no seu núcleo mais heterogêneo e aberto à comunidade, que se baseando na obra “A terceira margem do rio” de Guimarães Rosa, dá vida ao espetáculo “Em nome do rio”, que fica em cartaz de 5 a 10 de outubro, sempre às 20 horas, no Teatro Universitário Cláudio Barradas.

O processo, composto de muita música e elementos da cultura popular, traz a tona a nossa intrínseca relação com o rio, que para alguns é rua, para outros, sobrevivência. Ele, neste espetáculo, é protagonista de sua força, que se torna corpo e pulsação. O porquê da ida do pai ao rio se resume em si mesmo, no seu encantar.

A história a ser contada é a do pai que, num mistério que só o rio pode entender, entrega-se a ele sem nunca mais na vida beirar margem. Deixa filhos, casa, esposa e se entrega a uma vida na canoa, encontrando uma terceira margem, que em si é uma vocação, porém, sem nunca se afastar por completo dos seus. Causa dor não só a si, mas a todos em sua volta.

A subjetividade de dor do pai, tanto indagada pelo romancista em seu conto, é colocada sob a ótica das demais dores. A da mãe, por exemplo, que num misto de luto e ódio só consegue extrair um: — "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!". Isto sintetiza a antítese ódio-amor, que é trabalhada com primor pelos diretores Dário Jaime e Fabrício de Sousza. Outra dor relevante é a do filho, envolto na decisão do pai que se estende a ele, no chamado recusado de sua vocação, na vergonha da negação do pai e de si mesmo.

A música é um ponto essencial nesta montagem, já que várias nuances da narrativa são permeadas por ela. O diferencial é a utilização somente de percussão, que dá um caráter mais ritualístico à peça. Os percussionistas Diego Vattos e Diego Machado dão o tom de carimbó, lundu e vários ritmos, para que esse rio corra seu curso.

Esta montagem do Grupo de Teatro Universitário, que é um projeto desenvolvido pela Escola de Teatro e Dança da UFPA, conta com membros ligados diretamente aos cursos ofertados pela escola e pessoas de fora, porém, especialmente nesta montagem, o elenco é, em sua maioria, de pessoas oriundas da comunidade, muitas iniciando no teatro neste processo que já acontece desde o início do ano. A idade varia muito entre os integrantes, numa troca de experiências, gerações, e idéias variadas. O resultado final é uma mescla de identidades que se volta a um bem comum: o teatro.

O “Em nome do rio” é uma grande ode a esse rio que é nosso, onde se encontra corpo e essência amazônida. No palco, ele se transforma em gesto, angústia, música e muito sentimento. Remonta-se aqui o subjetivo de Guimarães Rosa sob um olhar nortista, ribeirinho por vocação. Vale a pena descobrir sua terceira margem.

O Grupo - A Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará, foi fundada na década de 1950, com a implantação do curso livre de Formação de Atores. Após três anos de curso, foi criado o Grupo de Teatro Universitário, ligado a Escola de Teatro da UFPA, com o intuito de agregar alunos que iniciavam sua carreira como atores, que estivessem concluindo o curso livre de teatro, atores da cidade de Belém, além de receber a comunidade universitária interessada em participar de um processo de construção de espetáculos teatrais.

Durante anos o grupo montou diversos espetáculos de relevante importância para a cena cultural paraense, apresentando-se em diversas casas de espetáculos de Belém e festivais locais e nacionais, além de se apresentar nos interiores do estado, no Projeto de Interiorização da UFPA.

O grupo ficou parado durante muito tempo, porém, em 2008, com o espetáculo “A Travessa da Espera”, que contou com a direção da Profª. Olinda Charone, retomou suas atividades com estudos teatrais voltados para atores e ex-atores, isto é, com a mesma perspectiva de sua criação.

Em 2009, contando com o apoio da também Profª. Wlad Lima, o grupo iniciou as pesquisas acerca da dramaturgia de Miguel de Cervantes, que resultou no espetáculo “Dons de Quixote”. A peça é resultado também de pesquisas teatrais nas mais diversas ramificações: preparação corporal, improvisação, música, figurino e cenário; fazendo uma interação entre as linguagens de teatro, música e vídeo.
Já em 2010, o grupo resolveu inovar, criando duas linhas de pesquisa – resultando em duas montagens diferentes – e sob a orientação das professoras Wlad Lima e Olinda Charone, foram aprovados dois projetos: “Máquina” e “Em nome do rio”, entregues a Ives de Oliveira e Dário Jaime, respectivamente. Os trabalhos foram desenvolvidos com acadêmicos e pessoas ligadas à comunidade, fazendo com que cada processo contasse com um número grande de pessoas. Os resultados poderão ser conferidos em outubro e novembro nos espaços cênicos da cidade.

Serviço: Espetáculo “Em nome do rio”, do Grupo de Teatro Universitário da UFPA. De 5 a 10 de outubro de 2010, no Teatro Universitário Cláudio Barradas (Jerônimo Pimentel, esquina com. D. Romualdo de Seixas). Sempre às 20h. A entrada é dez reais, com meia entrada para estudantes.
(Texto: Leandro Oliveira /ASCOM - Grupo de Teatro Universitário da UFPA)

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